Por Rômulo Ogasawara
No início do mês passado, o
jornal Folha de São Paulo lançou a campanha institucional: “O que a FolhaPensa”. Nela, o periódico apresenta aos possíveis leitores as suas posições
sobre assuntos supostamente polêmicos como casamento gay, pena de morte, cotas
raciais, política econômica, aborto, manifestações, voto obrigatório e
legalização das drogas.
Para divulgar a campanha, a
Folha utilizou todos os meios de comunicação à disposição: rádios, canais de
televisão aberta ou paga, mídia impressa e internet. Se o trabalho irá render
bons resultados, é uma incógnita, no entanto, pode-se dizer que o grupo Folha
adotou estratégias publicitárias interessantes.
A primeira estratégia
importante foi utilizar diferentes canais de comunicação para a divulgação da
campanha. Hoje em dia, o uso de diferentes tecnologias, de novas mídias, para
anúncio publicitário é muito importante.
A outra, talvez a principal,
foi o veículo de comunicação apresentar seu ponto de vista sobre temas
aparentemente polêmicos, aos possíveis leitores, como se estivessem dialogando.
Esta iniciativa mostra que o periódico reconhece a existência de novos desafios
no jornalismo, entre eles a interação
com o público leitor e a participação deste no processo jornalístico.
Novos suportes midiáticos e o fenômeno
da cibercultura
Havia uma época em que as
produções artísticas e culturais eram monopolizadas pelos meios de comunicação,
que eram controlados pela elite burguesa,
representada principalmente por empresários (presidentes e diretores dos
veículos de comunicação) e a quem eles escolhiam para trabalhar em suas
empresas. Nos dias de hoje, através das
novas mídias, de múltiplos suportes midiáticos e da potencialização da
internet, esse cenário comunicacional vem sofrendo mudanças.
Segundo o teórico Hans
Magnus Enzensberger, citado pelo sociólogo André Lemos, no artigo
“Ciber-cultura Remix”, na estrutura da cibercultura “as novas mídias são
igualitárias. Por meio de um simples processo de conexão, todos podem
participar dela (...) as novas mídias têm a tendência a eliminar todos os
privilégios de formação, e com isso também o monopólio cultural da inteligência
burguesa”.
De acordo com Lemos, o fenômeno da cibercultura é compreendido como “relações entre as tecnologias informacionais de comunicação e informação e a cultura”, que acontece por conta do surgimento de novas tecnologias de informação e comunicação, que alteram os processos de comunicação, de produção, de criação e de circulação de bens e serviços, nos dias de hoje.
Ainda conforme o teórico, a
cibercultura se caracteriza “por três leis fundadoras”, entre elas, a mais
importante é a liberação do polo da emissão. Na nova dinâmica
técnico-social, qualquer indivíduo pode emitir e receber informação em tempo real,
sob diversos formatos e modulações. Lemos explica que essa liberação dos polos
de emissão acontece por três fatores: popularização da internet; criação de
novas mídias na internet, como blogs (videologs, fotolog), podcast (emite som),
P2P (possibilita troca de arquivos de diversos formatos ao redor do mundo),
sites de vídeos (Youtube), redes sociais; e pelo potencial das tecnologias
digitais.
Internet, aparelhos móveis e o novo
modelo de comunicação
Segundo André Lemos, a cultura participativa se dá pelo “princípio de conectividade generalizada”, que o autor coloca como segunda lei da cibercultura. Nela, ele diz que a “rede está em todos os lugares, (...) tudo comunica e tudo está em rede: pessoas, máquinas, objetos, monumentos, cidades”. Esse fenômeno acontece através do surgimento do computador coletivo e a popularização da internet nos anos 80 e 90, e a explosão dos celulares e das redes Wi-Fi.
No Brasil, segundo a 9ª pesquisa TIC Domicílios, elaborada e divulgada neste ano pelo Centro Regional de Estudos para a Sociedade da Informação (Cetic.br), o número de internautas no Brasil, em 2013, foi de 85,9 milhões de pessoas. A pesquisa também apontou que no mesmo período o número de brasileiros que acessa a internet por meio do telefone celular atingiu 52,5 milhões.
Entre
os principais fatores que contribuíram para o aumento de usuários da internet, conforme
o relatório, estão inclusos: o aumento no uso de celulares para conexão com a
rede e a multiplicação de equipamentos portáteis, como notebooks e tablets, à
disposição das pessoas.
Para o teórico, Eduardo Campos Pellanda, a inclusão digital e o aumento de conexões resultantes da tecnologia móvel no Brasil, podem provocar importantes impactos na sociedade brasileira. Entre esses reflexos estão o surgimento de novos desafios aos hábitos sociais, limites entre espaço público e privado, e caminho para distribuição e colaboração de informações em um contexto onde os aparelhos são hiper-pessoais, pois são usados por uma pessoa em qualquer lugar (casa, escritório, lan house) .
Conforme Pellanda, o acesso
cada vez mais fácil a computadores portáteis, telefones móveis e a outros tipos
de dispositivos eletrônicos, faz crescer o número de pessoas conectadas. A rede
criada entre elas proporciona uma rápida interação, utilizando apenas um
telefone móvel, podendo ser enviados, através deste, fotos, vídeos,
informações, arquivos, ou até mais que isso, conforme o autor Henry Jenkins, em
sua obra “Cultura da Convergência”, uma pessoa pode produzir filme caseiro pelo
celular.
Plataformas
de gerenciamento de conteúdos e a cultura participativa
Como foi destacado anteriormente, o acesso às novas tecnologias e plataformas midiáticas está ficando mais fácil. Uma pessoa que detém um aparelho móvel (celular, iphone, notebook), ou mesmo todos, pode utilizar vários recursos que os aparatos ofertam, como fotos, vídeos, internet sem fio, aplicativos, entre outros. Entende-se esse fenômeno como “convergência dos meios”.
De acordo com teórico Henry Jenkins, por convergência se refere ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação. No mundo da convergência das mídias, a circulação de conteúdos e informações acontece por meio de diferentes sistemas midiáticos e sistemas administrativos de mídias.
Nesse contexto, pode-se
dizer que qualquer pessoa que tenha telefone móvel, notebook, estando conectada
a uma rede, poderá tanto produzir conteúdos, publicá-los e vê-los. Isso é
possível porque nos dias de hoje, uma página da web oferece diferentes
plataformas de gerenciamento de conteúdo.
Por exemplo, um indivíduo que utiliza o celular para filmar um acontecimento (acidente, homicídio, assalto), pode produzir um vídeo, depois publicar em sites que possibilitam o seu registro, como o Youtube, podendo, ele mesmo revê-lo inúmeras vezes.
Assim, o que é importante destacar nesse momento, são as possibilidades de uma participação mais ativa das pessoas, tanto na emissão de conteúdos, sejam informativos, ou de entretimento, ou de arquivos, como também na hora escolher um modo de se informar, ou se entreter.
Por exemplo, o site youtube possibilita aos internautas publicar vídeos e/ou vê-los, sem custos; outro exemplo são os blogs, que segundo André Lemos, “são formas de publicação onde qualquer pessoa pode facilmente dispor e começar a emitir, seja seu diário pessoal, informações jornalísticas, emissões de áudio (os audioblogs) ou vídeos (vlogs) e fotos (fotolog), etc.”
Ainda segundo o teórico, “os blogs agregam-se ainda em comunidades, onde usuários/leitores podem comentar e adicionar informações e comentários”, não precisando necessariamente seguir o esquema dos mass media (mídias tradicionais).
Além dos blogs, existe o “peer to peer” (P2P), que é outra plataforma de compartilhamento que possibilita a um usuário ser fornecedor de informação, pelo fato de ele conseguir realizar trocas de arquivos de diversos formatos ao redor do mundo.
Desse modo, pode-se dizer que com as novas tecnologias, suportes midiáticos e a popularização da internet, é possível que cada usuário seja estimulado a produzir, distribuir e reciclar conteúdos digitais, podendo estes ser textos literários, protestos políticos, matérias jornalísticas, emissões sonoras, filmes caseiros, fotos ou música, sem seguir o modelo das mídias tradicionais, mas conforme os gostos de cada produtor.
Novo contexto do jornalismo
Depois de explicar os fenômenos da cibercultura, da convergência dos meios de comunicação, e as consequências que eles trazem à sociedade, o que se pode extrair para o campo do jornalismo é a possibilidade de maior participação de um indivíduo no processo da informação.
Possivelmente, este fato requer que os veículos de comunicação tenham maior contato com o público alvo. Este contato pode ter início desde a elaboração de uma pauta.
De acordo com o jornalista e escritor, Clovis Rossi, em seu livro “O que é jornalismo” (2007), as pautas são elaboradas nos grandes jornais “por um pequeno grupo de profissionais, o que acabou criando uma categoria específica, ao lado dos repórteres, redatores e editores: o pauteiro. E ela é discutida também em círculo fechado, em uma reunião dos editores de diferentes seções dos jornais ou revistas.”
Atualmente, os veículos de comunicação até criaram canais de interatividades com os leitores através de blogs, páginas de sugestões de pautas, espaço para comentários dos internautas através das redes sociais, contudo, no processo seletivo dos assuntos a serem pautados, ou na coleta de dados, ou de fontes, ou de informações relevantes, o público ainda possui pouca chance de participação.
No novo contexto social que engloba a relação da sociedade com as novas tecnologias, deve-se levar em conta que “O domínio das tecnologias digitais na produção de notícias também pode permitir um contato maior dos jornalistas com as audiências, convertendo os leitores em interlocutores e colaboradores” (SALAVERRÍA; NEGREDO apud BECKER; BARREIRA, 2013).
Talvez esse fator também
explique o motivo da suposta queda de audiência dos veículos de comunicação
(jornal, rádio, televisão), que tem preocupado
diretores e presidentes de jornais, revistas, rádios e televisão.
Supostamente pensando nisso, a Folha, em sua campanha, deu um passo à diante ao conceder espaço às opiniões de seus possíveis leitores sobre supostos assuntos polêmicos. Mesmo não oportunizando uma participação tão ampla, já que as pessoas que aparecem nos vídeos apenas opinam, não se deve desconsiderar a tentativa da Folha, que deu um passo importante.
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